
Identificamos um tema em comum entre nossos convidados. Apesar deles não terem deixado o país por serem obrigados, como no caso dos refugiados, a história de todo imigrante é uma história de busca pela liberdade.
Existem inúmeras motivações que levam alguém a tomar a decisão de deixar o seu país de origem, seja como um expatriado, com a intenção de retornar em algum momento, ou como um imigrante em busca de estabelecer-se em uma nova cultura. Essas motivações podem incluir melhores oportunidades de trabalho, estabilidade político-econômica, qualidade de vida, educação e formação acadêmica, e até mesmo a necessidade de deixar para trás lutos ou a falta de identificação com a cultura original.
Essa motivação para mudar está profundamente ligada aos nossos valores pessoais e ao nosso propósito de vida. Após nossas entrevistas com 13 convidados do Conexão Brazuca, identificamos um tema comum em todas essas histórias: o desejo de buscar algo melhor. Ninguém deixou o país por ser obrigado, como é o caso de um refugiado. O Brasil é um país livre, onde temos o direito de ir e vir para qualquer destino. Apesar dessa liberdade de mobilidade, observamos que as pessoas não buscam apenas a liberdade geográfica, mas também têm o desejo de se libertar de suas experiências passadas e presentes. Seja de um coração partido, uma carreira insatisfatória, a violência ou a falta de perspectiva, todas essas coisas nos fazem sentir prisioneiros de uma vida que acreditamos poder ser melhor.
De certa forma, a história de todo imigrante é uma história de busca pela liberdade, e nenhuma história exemplifica isso melhor do que a do professor de Economia Internacional, Mohamed Amal. Ele deixou o Marrocos pela a Alemanha e, finalmente, veio para o Brasil. Ele nos emocionou ao falar sobre liberdade e o quão catártico foi para ele testemunhar o impeachment de um presidente brasileiro nos anos 90 e, pela primeira vez em sua vida, exercer seu direito ao voto – em uma urna eleitoral brasileira. Sua experiência nos deixou profundamente tocadas.
O Brasil nem sempre foi um país livre. Nesse episódio sentimos na pele quão importante a liberdade é para nós também!
Rosana Wayand
Através das reflexões de nossos convidados, temos aprendido lições valiosas e neste episódio, eu e a Poly sentimos na pele quão importante a liberdade é para nós também! O Brasil nem sempre foi um país livre. Quando olhamos para trás, nós duas lembramos que passamos nossa infância e parte da adolescência sob a ditadura militar, que durou 21 anos. Palavras como “milagre econômico” e “repressão” caminhavam lado a lado nesse período. Talvez sejam essas memórias e a sensação de que a liberdade é tão frágil e valiosa que nos deixaram tão emocionadas.
Nossa conversa com Mohamed abordou também outros temas, incluindo o amor e o respeito que ele desenvolveu pelos brasileiros. Abaixo destacamos outros tópicos abordados durante a entrevista. Para concluir, a Poly trás a o olhar da psicologia a história do Mohamed.
Conhecendo o Marrocos
O Mohamed descreve que a riqueza cultural do Marrocos vai além das imagens do deserto do Saara e da famosa música “pra lá de Marrakesh”, de Caetano Veloso. Ele conta que o Marrocos é um país fascinante, onde a dualidade cultural harmoniosa é evidente. Ele destaca a influência islâmica e árabe, bem como a resistência do império marroquino contra o domínio turco no século XVI. Além disso, Mohamed menciona o intenso contato com a cultura ocidental desde o século XIX, resultado da colonização espanhola e francesa.
Porque deixou sua terra natal: O desejo de liberdade e de explorar novas culturas
Mohamed explica que sua vontade de se distanciar de sua terra natal foi influenciada pelo sistema político opressivo e falta de liberdade no Marrocos. Isso o motivou a buscar oportunidades no exterior. Ele menciona seu fascínio por outras culturas e a sede de vivê-las e de vivenciar diferentes estilos de vida, além de sua paixão por literatura e filmes estrangeiros.
Ele relata sua mudança para a Alemanha para estudar, e como isso despertou seu interesse pelo Brasil, através de livros e autores como Fernando Henrique Cardoso e Celso Furtado.
A imersão na cultura brasileira
O Mohamed adquiriu algum conhecimento sobre o Brasil quando adolescente por meio de novelas da Globo. Ele ficou maravilhado com a beleza da Vera Fisher e, mais tarde, seus estudos sobre economia e história do Brasil despertaram uma grande curiosidade sobre o país.
Durante sua estadia na Alemanha, ele teve contato com brasileiros e acompanhou as notícias sobre o Brasil, especialmente o movimento pela democratização e as Diretas Já.
Ainda na Alemanha, ele conheceu uma brasileira com que veio a casar-se. Casar-se com uma brasileira foi um ponto de virada na vida de Mohamed. Sua esposa era muito ligada ao Brasil e não queria de jeito nenhum viver em outro país. Ele ressalta que ter casado com uma brasileira lhe proporcionou acesso a uma rede de relacionamentos e amizades que o ajudou a se aprofundar ainda mais na cultura brasileira.
Mohamed reconhece que, mesmo vivendo no Brasil, é difícil para um estrangeiro internalizar completamente a cultura do país. Aprender a língua, dele diz, é o ponto critico nesse processo.
Uma parte emocionante da entrevista é quando Mohamed compartilha sua dedicação em aprender o português para mergulhar na cultura brasileira. Em apenas quatro meses, ele já conseguia se comunicar razoavelmente bem em português. Mohamed descreve a experiência de aprender a língua como uma jornada de descobertas, onde cada novo aprendizado trazia novidades, como piadas e o humor brasileiro. Ele menciona o charme do português falado no Sul do Brasil, com suas declinações e particularidades.
Mohamed conta também que foi muito bem recebido no Brasil, especialmente na cidade de Blumenau, onde vive. Sua fluência em alemão fez com que fosse acolhido também pela comunidade alemã local, sendo convidado pelas senhoras descendentes para chás da tarde, onde compartilhava suas experiências sobre a Alemanha. Ele descreve essa recepção como incrível e destaca a abertura e hospitalidade dos brasileiros.
Do choque cultural à cidadania brasileira
Mohamed compartilha sua experiência durante o processo de impeachment do ex-presidente Collor em 1992. Ele descreve esse período como fascinante, testemunhando tanto a tomada de decisões fundamentadas pela Constituição quanto o movimento de rua em busca de mudanças. Essa experiência o fez admirar ainda mais o povo brasileiro e ele destaca a importância de exercer seu direito ao voto, uma liberdade que ele não tinha no Marrocos.
Aceitação e interculturalidade
A entrevista também aborda a recepção de sua esposa brasileira por sua família marroquina, que inicialmente teve dificuldade em aceitar o fato de que seu filho estava vivendo a 10 mil quilômetros de distância, casado com uma brasileira e que ainda por cima deu ao filho um nome ocidental (Vitor). No entanto, com o tempo, eles começaram a visitar o Marrocos e a família aceitou melhor a situação. Mohamed compartilha que sua família tem suas particularidades – suas irmãs também se casaram com estrangeiros de diferentes culturas e hoje a família tem dificuldade de manter seu idioma nativo, o árabe.
Onde é o lar?
Mohamed comenta que o Marrocos está sempre presente com ele, mas a cada dia ele cria mais raízes no Brasil e se torna mais brasileiro. Ele adiciona que também, por conta de ter um filho brasileiro, seria muito difícil deixar o Brasil. Entretanto, sua carreira acadêmica internacional o levou a trabalhar e conhecer diversos países e ele considera que quando se aposentar talvez passe uma temporada alternado entre algum país europeu e o Brasil. Ele reconhece, entretanto, que seu amor mais profundo é pelo Brasil.
Perspectiva da psicologia
A cultura é um fenômeno complexo e multifacetado, influenciado por diversos fatores históricos, sociais e econômicos.
Polyana Lins
Marrocos e Brasil são dois países com diferenças culturais significativas, que podem ser analisadas usando as dimensões culturais propostas por Geert Hofstede. Vamos explorar algumas dessas diferenças através dessa perspectiva:
Distância Hierárquica: A dimensão de distância hierárquica refere-se à maneira como a sociedade lida com a desigualdade de poder e status. Marrocos tende a ter uma alta distância hierárquica, onde a hierarquia e o respeito pela autoridade são valorizados. A sociedade marroquina é mais estratificada, com uma ênfase na obediência e deferência às figuras de autoridade. Por outro lado, o Brasil apresenta uma menor distância hierárquica, com uma cultura mais igualitária, em que as pessoas esperam uma participação ativa nas decisões e têm uma atitude mais questionadora em relação à autoridade.
Individualismo vs. Coletivismo: Essa dimensão se refere ao grau de interdependência entre os indivíduos em uma sociedade. O Brasil é conhecido por sua cultura coletivista, onde as relações familiares e comunitárias são altamente valorizadas. Os brasileiros tendem a se identificar fortemente com suas famílias, grupos sociais e comunidades. Já em Marrocos, há uma inclinação ainda maior para o coletivismo, onde as relações familiares e de grupo são de extrema importância, com uma forte ênfase na lealdade e interdependência entre os membros do grupo.
Masculinidade vs. Feminilidade: Essa dimensão se refere à distribuição de papéis de gênero em uma sociedade. O Brasil é considerado uma cultura mais feminina, onde são valorizadas qualidades como a cooperação, o cuidado com os outros e a qualidade de vida. Em contraste, Marrocos é uma sociedade mais masculina, com maior ênfase em papéis de gênero tradicionais, como a valorização da virilidade, da competição e da busca pelo sucesso material.
Evitação da incerteza: Essa dimensão se relaciona à maneira como uma sociedade lida com a incerteza e a ambiguidade. Marrocos tende a ter uma alta aversão à incerteza, buscando estabilidade e segurança através de regras e normas sociais rígidas. Por outro lado, o Brasil apresenta uma menor aversão à incerteza, onde a flexibilidade e a adaptação a novas situações são mais valorizadas.
É importante ressaltar que essas dimensões são apenas uma ferramenta para analisar as diferenças culturais entre Marrocos e o Brasil, e que cada país possui uma diversidade interna significativa, com variações regionais e individuais. Além disso, a cultura é um fenômeno complexo e multifacetado, influenciado por diversos fatores históricos, sociais e econômicos. Mas naquele momento da entrevista nos conectamos pelos mesmos valores, abstraímos as diferenças entre nossas culturas, assim preenchemos nossos corações com a nossa humanidade comum.
Para descobrir mais facetas desta conversa, convidamos você a ouvir o episodio.
Você conhece alguém que mora ou quer morar no exterior? Divulgue esta conversa.
Autoras:

Rosana Wayand
Profissional de comunicação há 25 anos na Austrália
@rosana_wayand

Polyana Lins
Psicóloga especializada em imigrações
https://psipolyanalins.com – @psipolyanalins